sexta-feira, 31 de maio de 2013


João Paulo Alberto Coelho Barreto, apesar do sobrepeso, foi o maior andarilho da cidade do Rio de Janeiro e cuja andança rendeu a mais rica e completa crônica da cidade de sua época e um dos melhores retratos da sociedade carioca. João do Rio foi autor de enorme obra literária e de vastíssima produção jornalística, a maioria desconhecida. João do Rio é um maldito da litaratura brasileira e foi muito mais do que um simples cronista de costumes. A obra de João do Rio caiu, por muito tempo, no esquecimento, que também se abateu sobre outros escritores da nossa enviesada "belle époque". O truque do Modernismo paulista de 1922 obscureceu tudo que foi feito de importante na literatura carioca, o berço do autêntico modernismo. 

João do Rio, foi um escritor genial, que escrevia com grande facilidade. Ele escreveu traduziu, plagiou, publicou, nos seus 39 anos, poderia superar, em quantidade e qualidade, a mais vasta obra de muitos  escritores veteranos. Membro da Academia Brasileira de Letras, João do Rio foi um intelctual de enorme coragem. João do Rio foi o único representante da grande imprensa que apoiou João Cândido e uma das poucas pessoas no país que defendeu o divórcio e o voto feminino.

As crônicas de João do Rio falavam do Rio dos terreiros de macumba e do samba, dos antros de prostituição, dos salões elegantes. João do Rio transitava pelas ruelas da cidade carioca com a mesma tranquilidade com que frequentava repartições do poder, que valeu a posse na Academia Brasileira de Letras, viagens e dois terrenos no bairro de Ipanema. João do Rio, um colunista social que vivia na alta sociedade, era rico, gordo, homossexual e mulato, enfim, um aristocrata fora do comum...

João do Rio retratou, como cronista, os vários aspectos da criminalidade do Rio de Janeiro. Os problemas existentes hoje na cidade já marcavam a "belle époque" do século 19: tráfico de drogas, prostituição, assassinatos brutais, delinquência, crianças de rua, prisões superlotadas. João do Rio, o dândi do colunismo social, relatava, ao mesmo tempo em que mergulhava no submundo, o lado sombrio da vida das alegres socialites em que o charme da alta sociedade não escondia o mundo do alcoolismo, das drogas, da violência e da autodestruição física e moral.

João do Rio, ao lado de Lima Barreto e Augusto dos Anjos, foi o fundador do Modernismo. Em suas crônicas, João do Rio já mostrava o amor gay sem disfarces e desmascarava toda a perversidade sexual de um Rio de cores e cheiros fortes. A linguagem enxuta de João do Rio causava furor entre os seus leitores. No seu jornal A Pátria, criticava com fervor os simbolistas e parnasianos. João do Rio defendia um estilo próximo do cotidiano da cidade. João do Rio falava do Rio dos inferninhos, das prostitutas, das madames, da Lapa, da sífilis, da tuberculose, do carnaval pornográfico, da pegação nos passeios públicos.

João do Rio nunca escondeu que prefiria rapazes, sua sexualidade nunca ficava dentro do armário, gostava de frequentar hotéis baratos com marinheiros... João do Rio advinhou o que seriam as favelas, escrevia sobre os rituais de candomblé e era saudado tanto pela ralé quanto pela granfinagem.

João do Rio foi um colunista que acompanhou transição do Rio de Janeiro de cidade colonial para capital do Brasil republicano. Quando o Rio passa a ser sucursal de Paris, João do Rio vai abandonando o enfoque antropológico da "alma encantadora das ruas". João do Rio amou tanto sua cidade que fez questão de mudar com ela. João do Rio acompanhou o bota-abaixo do prefeito Passos, a abertura da Avenida Central, as transformações dos costumes, o surgimento do automóvel, do telefone, do samba, do banho de mar. João do Rio forneceu, em suas crônicas, algumas das mais conhecidas características da Cidade Maravilhosa que existem até hoje.

João do Rio, claro, não foi santo: escrevia como poucos, mas também plagiava; negociava com construtoras em troca de terrenos; vivia em torno das futildades da alta sociedade; praticava certas bajulações e conchavos extra-oficiais com poderosos que lhe valeram o fardão; era adepto voraz de uma gula "pentagruélica", que sempre o acompanhou.

A literatura ambígua e decadentista de João do Rio o transformou num escritor dos contrários. A obra de João do Rio revelava uma loucura que inspirou outro escritor que também gostava de obscenidades, o genial Nelson Rodrigues. João do Rio falava do subterrâneo da cidade para retratar a sordidez escamoteada do próprio homem, da própria sociedade. Luz e trevas estão presentes na escrita ousada de um autor que viveu pouco, mas escreveu muito - João do Rio, o aristocrata fora do esquadro, que tinha tudo para dar errado e nos deu muito. 
 O colunista do mundano, do estranho, do sórdido, do "high society", dos párias sociais, dos rejeitados e decadentes, falava sobre obscenidades que guardavam um certo maniqueísmo. É impossível resistir aos encantos deste andarilho que transitou pelos becos silenciosos do desejo e revelou, com um século de antecedência, tudo o que nós, cariocas e brasileiros, somos hoje.

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