quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Viva a Liberdade é mais um belo filme que confirma o retorno do grande cinema italiano, que levou o Oscar este ano com o belíssimo A Grande Beleza.  Dirigido com elegância por Roberto Andò, desconhecido no Brasil, o filme fala sobre política, amor, desencanto e cinema, mas de uma maneira muito discreta e singela. Muitos classificam Viva a Liberdade como comédia, que não faz rir, mas provoca belos sorrisos no espectador. O fio condutor da trama é a política, quer dizer, a decadência dos partidos da Itália.

O personagem central é o principal líder da esquerda italiana, sufocada pela crise econômica e política da Europa.  Enrico Oliveri, interpretado pelo grande ator Tom Servillo, acuado e sem saída para o partido que lidera, entra em depressão e, simplesmente, some, deixando seus auxiliares em pânico. E é aí que surge o seu irmão gêmeo Giovanni Ernani, Servillo, de novo, professor universitário, recém-saído de uma clínica psiquiátrica. Ernani assume o lugar do irmão político e, com seu comportamento excêntrico, seduz o partido, a imprensa e, por fim, o povo. Curiosamente, Giovanni Ernani não se coloca como impostor, em nenhum momento finge ser o seu irmão político, pelo contrário, pois, sempre se comporta e age como ele mesmo, fiel às suas ideias, que salvam o partido, oposição ao governo, possivelmente, conservador, mas isso o filme não diz, deixa no ar...

Enquanto Giovanni Ernani aproveita a súbita fama, o outro irmão, Enrico Oliveri, passa a reavaliar a própria vida, se exilando na casa do grande amor de sua vida, Danielle, agora casada com um cineasta famoso. Enrico passa a viver no mundo que sempre amou de verdade, o cinema. Enrico, longe da política, revisita o passado e reaprende a viver, ao mergulhar nos bastidores de filmagens de uma produção local, em que ele arranja um bico como auxiliar.

Em Viva a Liberdade observamos o cotidiano do cinema e da política - opostos, mas ao mesmo tempo, muito parecidos um com o outro. Mas o mais notável é perceber que o filme fala sobre a crise masculina da meia idade, como a solidão, a carência e a vontade de mudar, de ter uma segunda chance. A angústia masculina é - e sempre será - de ordem amorosa. Nós, homens, ainda temos vergonha de sofrer por quem amamos. Enrico, foge para se encontrar consigo mesmo; Giovanni, não foge de nada, não tem medo de ser o que sempre foi.

A política, em Viva a Liberdade, é apenas uma convenção, um jogo de aparências, em que basta estar nos momentos certos e dizer o que todos querem ouvir. Giovanni e Enrico, são a mesma face de sentimentos que se opõem e se completam. Mais tarde, ficamos sabendo que os dois irmãos guardavam um segredo de juventude.

Viva a Liberdade é um filme melancólico, mas nunca triste, maduro, que fala sobre sentimentos, que estão na política, no cinema, em qualquer lugar.  Tom Servilo recupera a mística do personagem de A Grande Beleza, Gep Gambardella, sem se repetir, numa atuação perfeita, fazendo os dois irmãos gêmeos, um, depressivo; o outro, bipolar.

Viva a Liberdade lembra o cinema de Nanni Moretti, de O Quarto do Filho, na sua abordagem bem humorada, mas também crítica, da política e da sociedade. Mas Viva a Liberdade não faz um acerto de contas com a política, faz, na verdade, as pazes com a vida, cheia de dúvidas, frustrações, amores e desamores. O final é muito bonito. Eu gostei muito deste filme.
A Recompensa, filme que muito pouca gente assistiu, tanto aqui, no Brasil, quanto nos EUA, é ótimo, um misto de policial, comédia e drama. O destaque é a atuação do galã inglês Jude Law, que, aqui, assume a calvície e a idade. O ator não tem medo de se "enfear", quer dizer, ficar com cara de gente comum, do povo. Jude Law faz um tipo popular, um ex-presidiário que tenta mudar de vida e reconquistar o amor da filha. Dom Hemingway, título original do filme, é um sujeito quarentão, determinado, mas de pouca sorte.

A Recompensa traça um pequeno painel da Londres de hoje, movimentada, frenética e, sobretudo, marcada pela presença de imigrantes africanos e do leste europeu, especialmente, russos. Vemos neste filme uma Londres miscigenada - não diria multicultural, como muitos insistem em dizer.

O roteiro do diretor, desconhecido por aqui, Richard Shepard, é  muito bom, que sempre cria situações interessantes, criativas. E o ritmo é agitado, contagiante. Outra surpresa é a presença de um ator cult dos anos de 1990, Richard E. Grant, que estava sumido. Há também uma pequena participação da encantadora Emily Clarke, da série Game of Thrones. Mas o filme é todo do Jude Law, que está excepcional e dá um show de interpretação, sem nunca cair no exagero.

A Recompensa é um filme que fala da difícil arte de ser homem.  Dom Hemingway é um cara que tem de ser forte, mesmo tendo de encarar a carência,  a crise dos quarenta e a dificuldade de ser pai e avô, cujo neto é filho de um imigrante senegalês. Mas, ao final, apesar dos tropeços, tudo acaba bem. Ser homem dá muito trabalho, mas vale a pena.

A Recompensa é uma diversão inteligente, movimentada, com ação e muito humor, mais indicada para o público masculino,que já passou dos trinta. Um filme cativante. Eu gostei muito.