segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Lincoln e Django Unchained


Nesta temporada de Oscar, dois filmes muito elogiados já vem sendo apontados como presença garantinda na noite do “prêmio máximo do cinema”: Lincoln, de Steven Spielberg; e Django Unchained,de Quentin Tarantino. Estes dois filmes abordam, cada um a sua maneira, dois fatos trágicos dos EUA, a morte do Presidente Abraham Lincoln, retratado por Spielberg; e a escravidão, de certa forma, fantasiada por Tarantino. Não assisti a nenhum dos dois filmes, mas, de antemão, gostaria de falar sobre alguns detalhes sobre esses dois filmes. Curiosamente, não vi nenhum crítico de lá, e não acredito que nenhum crítico daqui fará diferente, dizer que o filme Lincoln esconde certos detalhes sobre a figura do notório presidente. Sim, Lincoln foi o presidente que unificou os EUA, oficialmente, que, depois, se tornaria uma potência mundial. Lincoln foi um “self made man” que enfrentou um EUA marcado pelo ódio e pela intolerância. Sua posição a favor da abolição da escravatura foi sua sentença de morte. Entretanto, o que o filme não diz é que Lincoln também era racista, ele considerava o negro raça inferior. Ele lutou pelo fim da escravidão porque sem a abolição, o Norte, mais desenvolvido e industrializado, seria profundamente prejudicado em seu projeto de domínio econômico. Lincoln foi o símbolo máximo do notório pragmatismo norte-americano e não um simples idealista, puro ou quase santo. Hoje, todos sabemos que os EUA ainda são um território marcado pelo ódio, pela intolerância. Lincoln é um filme pertencente a uma geração marcada por chacinas em escolas, universidades e shoppings que vitimizam quem estiver pela frente, inclusive crianças. Este filme veio para celebrar uma América capaz de superar seus traumas sociais, não acredito. Os EUA, mesmo com a eleição de Barack Obama, continua intolerante, a crise social e econômica está longe de acabar, a desigualdade social por lá só cresce. Vi várias cenas do filme e não duvido que este seja o melhor filme de Spielberg em muitos anos, mas insisto em dizer que o filme foge de questões importantes que deveriam ser abordadas mesmo sabendo que se trata de um filme comercial.

O outro filme é Django Unchained, do Tarantino, que leva a sua metalinguagem até a escravidão, um tema pouco abordado pelo cinema. Também não assisti a este filme ainda, mas já vi vários trailers e não duvido que o filme seja bom. Mas, eu tenho lido em alguns artigos que o filme não vai fundo na questão racial do período, que diz muito do que são as relações racias nos EUA ainda hoje. A trama se resume a uma história de vingança, assim como Kill Bill e Bastardos Inglórios. No filme tem um escravo recém-liberto como protagonista e um senhor de escravos como antagonista. E neste antagonismo entre o branco e o negro é o que ainda há de mais caro na sociedade norte-americana. Parece que o filme de Tarantino foge desta questão, preferindo colocar os personagens apenas como peças de um jogo de acerto de contas. Uma pena porque o diretor poderia abordar, mesmo que em forma de “entretenimento” o ressentimento que ainda existe entre ambas as raças. O ressentimento do branco que não aceita dividir direitos universais com quem ele ainda considera uma raça inferior, não aceita a possibilidade de um dia se sentir igual e possivelmente ou ligeiramente inferiorizado por quem tem pele escura, um ressentimento marcado pela soberba. E o ressentimento do negro, a vítima preferencial do racismo e que ainda faz parte da maioria excluída não só nos EUA, mas tambem em países como o Brasil. Django Unchained fala da escravidão com o seu estilo moderno e contemporâneo, mas pelo que parece, não aborda de forma perturbadora a questão racial, que é uma chaga em todas a sociedades globalizadas e preconceituosas, inclusive a brasileira.

Lamento que estes dois bons filmes, pelo que dizem, não levem para um contexto atual duas histórias trágicas que ainda não acabaram e que, por isso, estão mais atuais do que nunca. Mas, como vivemos numa sociedade que contemporiza com absolutamente tudo, essas questões históricas serão vistas como mais um entretenimento entre pipocas e litros de Coca-Cola.

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